sábado, 23 de maio de 2009

Com que corpo você sai?


O corpo cada vez mais tem ganhado espaço nas páginas de revistas, jornais, nas telinhas, telonas e, claro, na rede. Mas não se trata de apenas um corpo e sim de uma diversidade na uniformidade.
Explico melhor: há corpos distintos dentro da homogeneidade dos cadernos factuais dos jornais impressos. Assim como há uma diversidade de corpos na uniformidade corporal das colunas sociais.
Uma rápida passada de vista já nos mostra a riqueza de corpos presentes nos jornais impressos de João Pessoa.
Nos cadernos mais voltados para a factualidade, o que predomina é o corpo da dor, o que se contorce pela dor dos outros, o curvado pela sua própria dor, o algemado e espancado (o que massageia a nossa catarse). É claro que há espaço para os corpos felizes, os que pulam de alegria pela vitória. Mas esses aparecem em menor proporção.
O objetivo principal desse caderno é construir um cotidiano marcado pela violência, pela sensação de insegurança. Isso pode ocorrer tanto pela despersonalização do corpo, quando ele é usado apenas como estatística, sem haver referência a sua identidade, quanto pela personalização, quando a pessoa tem nome, endereço e desgraças pra relatar.
Nas colunas sociais, o cotidiano é a felicidade, a riqueza, as festas e o bem-estar. E cotidiano também é isso – não estranhem! A negação do cotidiano, as festas e as viagens, é a reorganização da vida cotidiana.
E nas colunas sociais, o cotidiano é esse. Todos estão bem vestidos e sorriem. Lá, os corpos sempre sorriem. Seja o sorriso mais largo das mulheres – que ostentam jóias e possuem, em sua maioria, modelos estéticos próximos ou forjados para parecem próximos do padrão europeu – seja o sorriso sóbrio dos homens. Nas páginas das colunas sociais, eles quase sempre aparecem de terno, são os provedores dos lares.
A recusa do cotidiano pela coluna social, dessa forma, também transparece o cotidiano, embora seja apenas uma face dele, a mais colorida por sinal. Mesmo assim, o cotidiano está ali presente, nas rupturas que dialeticamente o sustentam.
O corpo dos cadernos factuais também contempla as rupturas do cotidiano, até porque o fato jornalístico é sempre um fragmento da realidade que extrapola o cotidiano entendido como banalidade ou repetitividade. O cotidiano desses cadernos abarca a violência, a dor, o sofrimento, mas também a felicidade e a alegria.
O próprio nome dos cadernos já demonstra a pretensão de ser um espaço do cotidiano, onde o corpo mutilado, algemado, escondido embaixo de uma camisa, desfigurado pela dor predomina, dando a impressão de que a sorte daqueles corpos pode ser a dos nossos.
É nos cadernos factuais que a imprensa tenta exercer um controle social maior, mostrando que se não nos protegermos da violência, se cometermos crimes, seremos como aqueles corpos do sofrimento. E se nos cansarmos de tanta dor, basta mudar de caderno e encontraremos os corpos sorridentes e felizes das colunas sociais.