sábado, 20 de junho de 2009

Liberdade de expressão?


A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de derrubar a obrigatoriedade do diploma de jornalista para o exercício da profissão revela um completo desconhecimento do ofício do jornalista.
O primeiro equívoco é considerar que o jornalismo não tem técnica específica. Ora, o que é o lead – só pra citar um exemplo – senão uma técnica de organização do primeiro parágrafo da notícia? Mesmo que se considere que ele está ultrapassado e serve apenas de muleta para medíocres, é bom lembrar que para quebrar uma técnica é preciso primeiro conhecê-la. Nenhuma vanguarda pode prescindir do conhecimento e do diálogo com a tradição. E onde os jornalistas não diplomados irão aprender a tradição?
A ética e a reflexão sobre o exercício da profissão são dois outros pontos que foram negligenciados. É na academia que os estudantes tomam conhecimento das implicações éticas do exercício do jornalismo, do compromisso que todo jornalista tem com a sociedade. As empresas de comunicação irão ensinar aos jornalistas que eles têm um papel de mediador social, que devem prezar pela polifonia, pela objetividade e imparcialidade no discurso jornalístico, quando há outros interesses aí envolvidos?
Por mais que se relativize o conceito de imparcialidade – e ele precisa sim ser relativizado – temos que reconhecer que para uma empresa de comunicação é mais fácil moldar um profissional que não tem uma formação na área, que adequar um estudante que aprendeu a refletir sobre o exercício do jornalismo.
Os ministros do STF ainda usaram como argumento o fato de que grandes escritores foram grandes jornalistas. Ora, quando Machado de Assis iniciou suas atividades como jornalista, o paradigma anglo-saxão ainda não havia se consolidado no jornalismo brasileiro. Nesse período, bastava escrever bem para ser jornalista e a objetividade era carta ainda fora do jogo.
O modelo anglo-saxão – que considerou o leitor capaz de tirar suas próprias conclusões sobre um fato sem que o jornalista precisasse opinar sobre ele – dividiu os gêneros jornalísticos em duas categorias: a informativa e a opinativa. A partir daí, o jornalista passou a se utilizar de técnicas para se aproximar o máximo possível da objetividade. E os textos opinativos, a crônica, o artigo e o editorial tornaram-se o espaço da opinião, nos quais especialistas, não necessariamente jornalistas, foram sempre bem-vindos.
Todos esses argumentos foram empregados para levar a crer que a não obrigatoriedade do diploma de jornalista conduziria a um bem maior: a liberdade de expressão. Esse discurso, entretanto, é uma ingenuidade sem proporções. Na sociedade em rede em que nós vivemos, há uma infinidade de meios que permitem o exercício da liberdade de expressão. Basta lembrarmos que o computador e a internet – com sua capacidade de convergir todos os meios em um só – disponibilizam diversos espaços, como blogs, flickrs, twitters, onde não é preciso diploma para garantir o direito de ter voz.
Se as pessoas encontram terreno fértil pra se expressar na internet, e, felizmente, os conglomerados de comunicação não são as únicas fontes de informação de que dispomos, o argumento da liberdade de expressão parece subterfúgio para esconder o discurso pós-moderno do tudo é possível, que representa um retrocesso na história do jornalismo no Brasil. E não se assustem se as ex-bbbs que não conseguirem uma pontinha em alguma novela aparecerem como repórteres. Um brinde à liberdade de expressão!