quarta-feira, 25 de agosto de 2010

A Origem


No filme “A Origem” (Inception EUA/Reino Unido, 2010), do diretor Christopher Nolan (Amnésia e Insônia), Dom Cobb (Leonardo DiCaprio) é um especialista em invasão de sonhos. Mais que isso, ele manipula o subconsciente das pessoas para roubar segredos. Por conta desse trabalho de espionagem onírica, Cobb torna-se fugitivo internacional e precisa realizar um arriscado trabalho para voltar ao convívio da família.

Com forte inspiração nas novas tendências de estudos em psicologia e, há quem diga, com certa inclinação para o mundo espiritual, “A Origem” é um filme com um enredo complexo, mas muito bem costurado. Cada linha que tece o filme é inserida com precisão quase cirúrgica pelo diretor, que consegue amarrar a trama de forma a prender a atenção do espectador num só fôlego.

Por isso, o longa, com duração de 2h e 28 minutos, consegue agradar desde o espectador mais exigente, que busca construções fílmicas mais complexas, até aquele que busca testosterona em alto grau. Vale ressaltar que mesmo as cenas de ação têm funcionalidade no filme, ou seja, não soam forçadas.

“A Origem” aborda de maneira diferente uma temática de certa maneira recorrente no cinema. Mas, há que se considerar que o filme não inova muito do ponto de vista da estética cinematográfica, sendo herdeiro visível de outros longas igualmente cults, como “Blade Runner” e “Matrix”. A semelhança com este último é ainda maior pela utilização do bullet-time, efeito especial de câmera lenta que enfatiza o movimento dos personagens.

Apesar das proximidades do ponto de vista técnico, boa parte das críticas considera que o filme do Nolan tem uma base mais sólida, fugindo das divagações filosóficas de "Matrix", ao centrar sua discussão num viés mais psicológico. Em “A Origem” a mente é o médium que possibilita a viagem, enquanto em “Matrix” é a hipermídia.

As proximidades, porém não param por aí. Os dois filmes, de modo um pouco diferente, apontam para o descentramento do sujeito, isto é, para a percepção de que o indivíduo, mesmo “pensando e logo existindo”, não é tão senhor de sua própria vida.

Em outras palavras, em ambas as obras o herói é trágico, pois aduba o terreno de sua própria destruição, sejam as máquinas, seja a própria mente. Afinal, quem garante mesmo que Cobb chegou ao “mundo real”?

sexta-feira, 28 de maio de 2010

A Inveja dos Anjos


Na quinta-feira, 27 de maio, a minha escolha para o quinto dia de Fenart foi a peça “A Inveja dos Anjos”, da Companhia Armazém, do Rio de Janeiro, apresentada às 20h, no Teatro Paulo Pontes do Espaço Cultural.

Três amigos discutindo sobre suas lembranças e suas histórias dolorosas, assim começa a peça. Cada uma dessas histórias tem um ponto em comum, não estão concluídas, embora todas sejam bem distintas: uma tem uma mãe louca, outro descobre que tem uma filha e uma terceira tem um passado misterioso.

“A inveja dos anjos” apesar de ter um texto denso, e algumas vezes, ser um pouco enfadonha, tem um humor inteligente que impede que ela caia num sentimentalismo exagerado.

Ela pecou, porém, pela falta de empatia dos atores em relação ao público e pelo tom de voz exagerado demais.

A peça, todavia, tem um figurino muito bonito e o cenário é impecável!



quinta-feira, 27 de maio de 2010

Espiral e Antônio Nóbrega










No quarto dia de Fenart, fugi da previsibilidade e troquei o Cine Bangüê pelo Teatro de Arena do Espaço Cultural. O espetáculo “Espiral – Brinquedo Meu”, apresentado pouco depois das 20h, no dia 26 de maio, é uma mistura de teatro, dança e música.

Primeira montagem solo do músico, ator e dançarino Hélder Vasconcelos, um dos criadores do grupo musical Mestre Ambrósio, “Espiral” tem como base a interação com o público e conseguiu arrancar muitas gargalhadas espontâneas da platéia.

O espetáculo, entretanto, funciona muito mais como jogo lúdico, como disse certa vez Tiago Germano a propósito de outra peça, que como obra.

Em outras palavras, a ausência de demarcação de fronteiras entre dança, teatro e música, deixa a peça sem densidade enquanto espetáculo.

Às 22h, foi a vez do show de Antônio Nóbrega. Desnecessário dizer que eu não consegui conter os movimentos involuntários dos meus pés, que insistiam em seguir a cadência do frevo, maracatu, forró e ciranda. Foi “a ofegante epidemia” fora de época!!

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Depois da curva e durante o filme







No terceiro dia de Fenart, na terça-feira 25 de maio, optei, mais uma vez, por começar pelo cinema. Fui assistir, às 20h, ao curta “Depois da curva” (18’, Fic., Cor., PB) de Helton Paulino.

No filme, Paulo é um motorista de carro funerário que se depara com uma situação que vai desconstruir os seus conceitos. O curta fala de morte, de amor e, sobretudo, de como os sentimentos, repentinamente, podem se transformar ou se deixar perceber de outra forma.

A cena final, em que aparece apenas o concreto da estrada e as faixas de sinalização, é uma metáfora bem construída dessa ideia.

O segundo filme a ser exibido foi “Cabeça a prêmio”, primeira experiência em longa-metragem do ator Marco Ricca. (104’, Fic., 2010, RJ). Ele é uma adaptação do livro homônimo de Marçal Aquino, que por si só já tem uma narrativa bem cinematográfica, o que contou a favor do filme.

Quando a história de Miro (Fúlvio Stefanini) e Abílio (Otávio Muller), irmãos e prósperos pecuaristas da região do centro-oeste brasileiro, estava se delineando, o cantarolar de João Bosco já tinha invadido a sala do cine bangüê e eu decidi que queria ter minha primeira experiência auditiva bosquiana. Adorei a escolha!!

Para os que ficaram com vontade de saber mais sobre “Cabeça a prêmio”, segue uma colherzinha de chá: http://www.youtube.com/watch?v=4GcBD36ScMs

terça-feira, 25 de maio de 2010

Nem direita, nem esquerda


Ignorei por completo a enquete que lancei aqui e nem fiquei no cinema, pra ver “Utopia e barbárie”, nem fui ao teatro, assistir ao espetáculo “Revoada”, da cia Cisne Negro; optei pela apresentação de Jessier Quirino, às 21h, no palco 2 do Espaço Cultural.

Só posso dizer que os causos do Jessier estavam concorridíssimos. Não consegui pegar cadeira e passei a noite brincando de bailarina, tentando me equilibrar nas pontas dos pés.

Esquerda?

Escolhi a rampa esquerda e fui ver o curta Zé (s) (15’, Doc., 2009, RJ/DF), que foi exibido pouco depois das 20h, na segunda-feira, 24 de maio.

O filme costura as histórias de Zé Celso Martinez (Teatro Oficina de SP) e Zé Perdiz (Teatro Oficina do Perdiz) utilizando como linha o nome Oficina, para mostrar as diferenças e semelhanças entre os Zé (s). De um lado, o Zé-excêntrico, trabalhando na adaptação do clássico da literatura “Os sertões”, de outro, o Zé-simples, que transforma sua oficina mecânica à noite numa oficina de teatro. Essas diferenças têm uma funcionalidade interessante no filme, reforçam uma paixão em comum: o teatro.

O curta Zé (s) é vigoroso, mas carece de densidade pra explorar melhor os universos dos dois personagens. O espectador fica pedindo mais!



segunda-feira, 24 de maio de 2010

Direita ou esquerda?



Essa história de ser totalitária mas não onipresente cria alguns problemas. Por exemplo, o segundo dia do Fenart traz duas obras incríveis, uma apresentada e outra exibida às 20h. A primeira é o espetáculo de dança “Revoada/Trama”, da Cia de Dança Cisne Negro, de São Paulo. A Cisne Negro completa 33 anos este ano e traz para João Pessoa este espetáculo que tem coreografia de Gigi Caciuleanu, um dos mais criativos coreógrafos da dança contemporânea. A segunda é o documentário em longa-metragem “Utopia e barbárie”, de Silvio Tendler. Um road movie histórico que busca reconstruir o mundo a partir da II Guerra Mundial. E aí, pego a rampa direita ou a esquerda do Espaço Cultural?

http://www.cisnenegro.com.br/

http://www.utopiaebarbarie.com.br/site/

Hermeto Pascoal e Osquestra Sinfônica da Paraíba


Sivuca é o homenageado desse Fenart 2010. O festival está só começando, mas creio que um dos pontos altos dessa homenagem tenha sido a apresentação de Hermeto Pascoal e da Orquestra Sinfônica da Paraíba, que ocorreu neste domingo, 23 de maio, às 21h. Hermeto tocando Sivuca é como aquela técnica artística do “trompe l’oeil” (literalmente, engana o olho), que cria uma ilusão de ótica, dando a impressão que vemos o que não vemos. É que lá era Hermeto, mas também Sivuca!!

Hermeto Pascoal, é compositor, arranjador e multi-instrumentista brasileiro, nasceu, no dia 22 de junho de 1936, em Olho d’água, Alagoas. http://www.hermetopascoal.com.br/biografia.asp

Sivuca nasceu Severino Dias de Oliveira, no dia 26 de maio de 1930 em Itabaiana, na Paraíba, e faleceu no dia 14 de dezembro de 2006, em João Pessoa. Era instrumentista, arranjador e compositor.

http://www.sivuca.com.br/

Fenart 2010


O Cítrico não é um blog de cobertura jornalística, mas de comentários despretensiosos sobre cultura e, sobretudo, cinema. Por isso, peço licença aos meus leitores, pra abrir uma exceção para o Festival Nacional de Arte - o Fenart 2010, que acontece dos dias 23 a 29 de maio, no Espaço Cultural da Paraíba, em João Pessoa. Mas, já adianto que não pretendo fazer uma cobertura no sentido de abarcar todos os espetáculos, exibições e oficinas do Fenart, que inclui teatro, dança, literatura, artes visuais, cultura popular, cinema e vídeo. Isso seria trabalho pra uma equipe extensa e como eu não tenho o dom da onipresença e tenho um lado totalitário bem aguçado, vou escrever apenas sobre os eventos como os quais eu mais me identifico. Me desejem boa sorte... Obrigada!!

segunda-feira, 26 de abril de 2010

As Melhores Coisas do Mundo

O filme “As Melhores Coisas do Mundo” (Brasil, 2010) de Laís Bodanzky (Bicho de Sete Cabeças e Chega de Saudade) inicia como uma novela teen aparentemente rasa.

Cada nova cena, porém, assim como cada dobra de um origami, revela um aspecto novo e uma profundidade impensada num primeiro golpe de vista. Isso porque o universo adolescente vai se mostrando conteúdo de um vazio que os outros atribuem a ele.

O personagem principal da trama é Mano (Francisco Miguez), um adolescente de 15 anos que se vê às voltas com vários problemas, como a separação dos pais (Denise Fraga e Zé Carlos Machado), a revelação da homossexualidade do pai, a pressão dos amigos para que ele perca a virgindade e o amor não correspondido.

Laís Bodanzky consegue transmitir com naturalidade todos esses dilemas da adolescência, ao mostrar como as coisas são sentidas intensamente por eles, como um fora assume dimensões violentas a ponto de levar (à tentativa) de suicídio – tanto hoje quanto no tempo do Werther de Goethe.

E as novas tecnologias só contribuem para transformar um inferno pessoal num inferno público. O cyberbullying, então, é face de uma violência tanto simbólica quanto física.

A diretora não economiza em belas cenas, como a em que Mano e sua mãe jogam ovos na parede da cozinha. O que começa aparentemente com um clichê, a queda de um ovo num momento dramático do filme, termina com uma carga de emoção de uma espontaneidade violenta.

Alguns truques de montagem também merecem destaque. É o caso da cena em que Mano tenta digerir o fato de seu pai estar morando com outro homem. Nela, ele aparece praticamente estático e os demais personagens se movimentam numa rapidez imensa, o que imprime muito bem a diferença entre o tempo interior do personagem e o tempo externo a ele.

O filme peca, contudo, pelas atuações. Com exceção dos veteranos, aqui representados pela excelente interpretação de Denise Fraga, os demais atores têm atuações modestas.

Apesar disso, “As Melhores Coisas do Mundo” se mostra um filme sensível e espontâneo, e funciona como um microcosmo dessa pós-modernidade, em que blogs, convivem com diários de papel, cartas com emails e sms’s, e antigas e belas canções (como a Something dos Beatles) ainda embalam jovens amores.

quarta-feira, 10 de março de 2010

Estômago e a potência de revirada (2° parte)


A presença dos elementos gregos, porém, não cessa por aí. Esse desfecho também revela uma métis(1), uma astúcia da inteligência do personagem Nonato. A métis é, para Détienne e Vernant, “um conjunto complexo, mas muito coerente, de atitudes mentais, de comportamentos intelectuais que combinam o faro, a sagacidade, a previsão, a sutileza de espírito e o fingimento”.

A métis só se desenvolve quando há uma circunstância de desigualdade. Um exemplo muito contundente disso encontra-se na Ilíada, quando Antíloco, tendo consciência de que seus cavalos são bem menos potentes que o de seu adversário, astuciosamente joga o carro contra ele, que perde o controle e a dianteira na corrida.

Neste rumo, “a métis é uma potência de astúcia e de engano. Ela age por disfarce. Para ludibriar sua vítima, ela toma emprestada uma forma que mascara, em lugar de revelar, seu verdadeiro eu”.

Aqui a semelhança com o personagem Nonato é imensa. Notem que ele durante a maior parte da história é apresentado como submisso. Ele toma a forma de uma criatura ingênua e frágil, o que descarta qualquer desconfiança, ou seja, “ele dissimula sua realidade assassina sob aparências seguras”.

A grande reviravolta do filme reside no fato de o próprio personagem ser uma “potência de revirada”. Ele age como as rãs que se fingem de mortas para fisgarem suas presas. Mas Nonato é ainda mais requintado, porque seu tempero leva ao gozo e à morte numa só dose.

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(1) Métis, primeira esposa de Zeus, era a deusa grega da prudência. Métis foi engolida por Zeus que temeu que a profecia de Gaia (de que seu filho iria destroná-lo) se concretizasse.


Estômago e a potência de revirada (1° parte)


O filme Estômago (Brasil/Itália, 2007), do diretor Marcos Jorge, tem na reviravolta um forte elemento da estrutura dramática. A reviravolta ou peripécia é, para Aristóteles, uma “mudança das ações ou dos que agem em seu contrário”. E é isso que ocorre em Estômago.

O filme se inicia com Raimundo Nonato (João Miguel) contando a história do surgimento de um queijo nobre. O sotaque marcado já denuncia a origem nordestina do personagem. É a partir desse momento que o estereótipo do nordestino vai sendo formado. A própria atuação do João Miguel reforça essa imagem do nordestino como pobre e submisso.

Quando tudo caminhava pro lugar comum, nos é apresentado um outro Nonato, o dos acessos de violência. Mas ainda assim não vislumbramos o lado astucioso do personagem.

Ele já se mostra um excelente cozinheiro, mas ninguém imaginaria que ele se utilizaria do seu dom culinário para exercer o poder. E Nonato vai fazendo isso aos poucos, ainda preservando um ar de ingenuidade, até chegar ao desfecho e à grande reviravolta: quando ele envenena Bujiú (Babu Santana), preso que chefia a cadeia e pensa deter o poder sobre todos.

Neste momento, nos deparamos com um personagem completamente diferente do que nos foi mostrado no princípio da trama. Em outras palavras, há uma reviravolta e um reconhecimento (passagem do ignorar ao reconhecer) bem no estilo grego.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Invictus


O filme Invictus de Clint Eastwood (EUA, 2009) narra um momento crucial da trajetória política de Nelson Mandela. Depois do fim do apartheid e durante o seu primeiro mandato como presidente da África do Sul, Mandela – com a ajuda do capitão do time François Piennar (Matt Damon) – se esforça para tornar a seleção sul-africana de rúgbi motivo de orgulho.

A narrativa começa com um distanciamento da situação. Os espectadores são convidados a apenas observar. Nenhum sentimento de aproximação é suscitado, o que revela uma identificação com o próprio distanciamento que havia entre negros e brancos na África do Sul.

Isso, porém, é revertido no decorrer do filme, quando somos levados a compartilhar os sentimentos de igualdade (quase sobre-humanos) de Nelson Mandela (Morgan Freeman). Essa aproximação se dá a partir do momento em que o rúgbi se transforma numa estratégia política de Mandela para unificar os sul-africanos, brancos e negros. Aqui também a aproximação da narrativa representa a aproximação que o presidente sul-africano pretende realizar.

É neste momento que o filme apresenta alguns deslizes, como o de investir demais no sentimentalismo e o de criar um Mandela muito idealizado, apesar de uma ou outra cena tentar contradizer isso.

Esses deslizes, entretanto, não tiram a beleza do filme, que apresenta cenas em que o humor e a emoção não gratuita se misturam.

Eastwood muito apropriadamente escolheu um episódio emblemático do governo de Nelson Mandela, que transformou o time de rúgbi numa metáfora da nação. O orgulho, o sentimento de pertencimento e de unidade criados pela vitória da seleção sul-africana de rúgbi na Copa de Mundo (sediada pela África do Sul, em 1995) foram transferidos para a nação.

O Brasil teve um equivalente desse episódio (quando a seleção brasileira foi campeã da Copa do Mundo de Futebol, em 1970), mas com sabor de pão e circo. Se bem que por essas bandas não precisávamos tanto disso, pois os nossos brancos já eram miscigenados e os nossos índios eram antropófagos.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Mon Oncle



Fazer humor não é tarefa das mais fáceis. E fazer comédia de maneira natural, levando o espectador ao riso de forma inesperada é coisa para mestres. Jacques Tati consegue isso duplamente no filme Mon Oncle (Itália/França, 1958), tanto como diretor quanto como ator.

Se o Tati diretor conduz a narrativa de forma que cada cena cômica surja dos eventos mais simples, o Tati ator vai além ao realizar uma interpretação sem trejeitos forçados para parecer engraçados, apesar da forte presença da pantomima.

O personagem de Tati, Monsieur Hulot, é uma espécie de flâneur que encontra abrigo e proteção nas ruas e feiras da cidade. O seu quarto, num cortiço, é apenas um lugar de passagem. Mas a rua é a sua vida.

O flâneur de Tati vê a modernidade com assombro. Ele até transita por ela, pois sua irmã, Madame Arpel (Adrienne Servantie), casada com um proprietário de uma indústria de plástico, Monsieur Arpel (Jean-Pierre Zola), desfruta de todos os luxos e excessos da modernidade.

As cenas mais hilárias, inclusive, surgem do enfretamento do espírito livre e simples de Monsieur Hulot com o aprisionamento gerado pela modernidade e a complexidade inerente a ela.

Hulot não se entende com “os botões de ferro” e as multifunções da modernidade. Mas a irmã e o cunhado insistem em socializá-lo neste ambiente por meio do casamento e do trabalho na indústria de plástico.

As disparidades entre modernidade e tradição são também representadas pela trilha sonora, que mescla sons suaves de acordeom e barulhos estridentes de toda natureza: cortador de grama, chafariz, trava de portão, eletrodomésticos, máquinas industriais, carros...

A ponte entre esses dois mundos é o pequeno Gerald Arpel (Alain Bécourt), sobrinho de Monsieur Hulot, que se vê obrigado a viver no ambiente frio e funcional da residência dos Arpel, embora ele só encontre vida nas muitas andanças que faz com seu tio.

É por isso que os diálogos são quase inexistentes entre tio e sobrinho, pois os gestos afetivos são suficientemente eloquentes.

O filme Mon Oncle mostra, com seu humor cômico-irônico, que o lixo da supercivilidade, como escreveu Eça de Queiroz, serve apenas como uma casca a mais para esconder a pérola que há no fundo da concha: a simplicidade da vida.