domingo, 10 de abril de 2011

Rio



A animação Rio (EUA, 2011), do diretor Carlos Saldanha – o mesmo da trilogia “A era do Gelo” – conta a história de Blu, uma arara azul que foi capturada por traficantes de ave no Rio de Janeiro e enviada para o Minnesota, Estados Unidos. Por acidente, a arara cai do caminhão que a transportava e é encontrada por uma criança chamada Linda. A ave macho e a menina crescem e se transformam em mãe e filho. É quando aparece um ornitólogo brasileiro, dizendo que a arara azul é o último macho da espécie e que precisa cruzar com a fêmea que está no Rio para evitar a extinção.

Essa trama já é suficiente para divertir o público infantil e, por que não, também o adulto. O interessante, porém, é que o filme vai além do mero entretenimento ao revelar discussões mais profundas como pano de fundo. A primeira delas é a superproteção da mãe em relação ao filho, criando uma dependência mútua que mais aprisiona que liberta.

A segunda diz respeito à questão da identidade. A todo o momento a arara azul desterritorializada é confrontada com a cultura brasileira. É bem clara a dicotomia entre uma cultura racional e calculista e uma mais intuitiva. Por isso, a metáfora de “ouvir o coração” para aprender a voar, assim como para dançar o samba, ilustra bem isso.

O filme embora tenha bundas salientes, carnaval e futebol no seu enredo, faz isso de forma muito cuidadosa, dando um tom engraçado aos estereótipos, mas evitando enfatizá-los em demasia. Além disso, a beleza das paisagens do Rio de Janeiro – com seus contrastes sociais também marcados – e as melodiosas canções que compõem a trilha dão ainda mais força estética ao filme. Em tempos de tragédias reais que mais parecem cinematográficas, ao menos a atmosfera mágica do cinema inspira e dá colorido ao mundo real.

terça-feira, 5 de abril de 2011

O Mágico e o desencantamento do mundo


Finalmente, assisti a "O mágico", uma animação de Sylvain Chomet em homenagem a um dos gênios do cinema francês, Jacques Tati. Eu sabia que ia me deparar com uma grande obra, em parte pela minha paixão pelo diretor de "Mon oncle", em parte pela bela crítica de Leonardo Davino. O que encontrei foi um filme de uma sensibilidade violenta. A releitura que fiz recentemente de "A metrópole e a vida mental" de Simmel só me fez compreender ainda mais a intensidade do desencantamento provocado pela modernidade, com seus tipos, ora deslumbrados, ora indiferentes. Na animação de Chomet, até a magia é nivelada à forma sem cor do dinheiro. A impressão que tive, porém, é que mesmo com a atmosfera triste do filme, a cena final insinua uma saída, quando a luzinha branca dança pelo céu, sinalizando que o reencantamento é possível!

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Não olhe para a luz


O drama operístico “Tetro” (2009 – Argentina, Itália, Espanha e Estados Unidos), de Francis Ford Coppola, narra a história do jovem Bennie (Alden Ehreinreich) que desembarca em Buenos Aires devido a um problema no motor do navio onde ele trabalha.

A esse motivo inicial, porém, vai sendo acrescido outro, o de que ele foi encontrar o seu meio-irmão mais velho Angelo (Vicent Gallo), que decidiu tirar um ano sabático para escrever e nunca mais entrou em contato com a família. Entretanto, Angelo, que mora com a namorada Miranda (Maribel Verdú), não é mais o mesmo, transformou-se num homem sombrio e de temperamento explosivo. Para esconder o passado e demarcar essa nova identidade, ele passou a ser chamar Tetro.

O nome Tetro (do latim: teter, sombrio, obscuro), numa visão mais rasa, faz referência ao sobrenome dele, Tetroccini, mas também revela a personalidade sombria que ele assumiu. Isso se reflete na obra como um todo, que possui uma atmosfera obscura, tanto pela prevalência do preto e branco, quanto pela utilização das sombras.

Esses recursos funcionam, da mesma forma, para ludibriar o espectador que, salvo pela aparição de alguns equipamentos tecnológicos atuais, poderia se perder no jogo de esconder-revelar do diretor, a ponto de não saber dizer qual o tempo em que se passa o filme.

Esses jogos entre claro e escuro, esconder e revelar, além do exagero operístico – com a presença do coro e da música pra imprimir um caráter dramático – e das reviravoltas, dão à obra características barrocas, que são intensificadas pela quantidade de referências diluídas no filme.

O espelhamento, aliás, se faz presente em várias cenas de Tetro, sob formas desde as mais simples, como em imagens refletidas em vidros de carros e em monitores de TV – às mais complexas, como as diversas encenações feitas do texto do Tetro personagem. Isso porque a própria obra se espelha no teatro (o Tetro aqui não é à toa), mais especificamente no shakespeariano.

Em outras palavras, não há como negar a presença de Hamlet nesse filme de Coppola, tanto pelo recurso do espelhamento, quanto pelas semelhanças na construção dos personagens e pela rivalidade como germe destruidor do núcleo familiar. No texto de Shakespeare, Hamlet tenta matar o tio para vingar a morte do pai. Em Coppola, Tetro faz praticamente o inverso, ao entregar a baqueta do pai, um maestro de sucesso, ao tio.

Ao fazer isso, ele mata simbolicamente o pai, enquanto Hamlet, como apontou Freud, não conseguiu matar o tio porque este cumpriu justamente o seu desejo mais inconsciente, fruto do complexo de Édipo: o parricídio. Da mesma forma, há na relação entre o pai, Tetro e Bennie e entre as bailarinas que aparecem na vida deles uma vinculação com o complexo de Édipo. Por isso, o próprio Coppola aparece como parricida ao matar a figura do pai, que havia sido construída em outras obras como na trilogia “O poderoso Chefão.”

A todas essas referências pode ser acrescida uma, possivelmente a metáfora principal, o mito da caverna de Platão. No filme, a maioria das cenas é em preto e branco, como as sombras que enxergam aqueles que estão presos à caverna platônica. As poucas cenas coloridas apontam o que há de “verdade” na história de Tetro, é como se ao espectador fosse dada a possibilidade de espiar o que há fora da caverna.

A “verdade”, contudo, é luz que ilumina e cega, como acontece com a mariposa da primeira cena da obra que, indo ao encontro da luz, também vai, certamente, ao encontro da morte. “Não olhe para a luz”, diz Tetro ao seu irmão Bennie, numa das últimas cenas; a verdade (ou o que está no inconsciente?) pode ser caminho para o abismo da loucura.

Assista ao trailer do filme:

http://www.youtube.com/watch?v=XJ_XTIsMKig