sábado, 25 de outubro de 2008

Multiculturalismo


“Somos todos juntos uma miscigenação e não podemos fugir da nossa etnia. Índios, brancos, negros e mestiços, nada de errado em seus princípios”. Este trecho da canção de Chico Science & Nação Zumbi alerta para algo que os livros de história já apontavam há bastante tempo, o fato de que vivemos em sociedades multiculturais e que qualquer tentativa de definição de fronteiras rígidas entre uma cultura e outra não passa de um exercício inútil de tentar separar todos os ingredientes de um bolo depois que ele já está pronto.
Apesar desta lição deveras simples, algumas pessoas ainda insistem em classificar o multiculturalismo como um subterfúgio para esconder a incapacidade dos indivíduos em estabelecer quais valores devem ser seguidos na contemporaneidade. Esta, aliás, é a direção seguida pelo sociólogo polonês Zigmunt Bauman. Embora ele se apegue à metáfora do líquido como o remédio para resolver todos os problemas de compreensão da sociedade atual, quando o assunto é o multiculturalismo, Bauman muda o estado físico do conceito e o transforma em pedra de gelo rígida.
Sendo assim, para este autor, o multiculturalismo é um instrumento usado pelos intelectuais para maquiar as suas incompetências com relação ao entendimento das sociedades pós-modernas. Em outras palavras, quando eu denomino uma sociedade de multicultural, estou demonstrando a minha incapacidade para apontar o que é certo e o que é errado.
É claro que o conceito de multiculturalismo ainda é muito confuso. Na verdade, isso ocorre porque é difícil definir um fenômeno que é muito polissêmico, plural. No entanto, o ato de negligenciar a existência de culturas distintas que convivem – nem sempre harmoniosamente – num mesmo espaço social, é como tapar olhos, bocas e ouvidos na babel bíblica e achar que todos são hebreus.
Basta ampliarmos o olhar sobre qualquer sociedade, mesmo as que se dizem mais unificadas culturalmente, que iremos perceber que o multiculturalismo está cravado no seu relevo.
Por isso, querer menosprezar este conceito, criando significados obscuros para ele, mais parece uma atitude de quem não suporta o diferente e adoraria viver numa sociedade monovalente. “É que narciso acha feio o que não é espelho”.

sábado, 4 de outubro de 2008

Ensaio sobre a cegueira



“Ensaio sobre a cegueira”, do diretor Fernando Meirelles, não é nenhuma obra-prima, mas é um filme que supera muito bem alguns dos problemas comuns ao cinema.
Em primeiro lugar, ele não se rende aos clichês relacionados à cegueira. É claro que a utilização da tela branca para representá-la é algo já indicado no romance de José Saramago (lá, a cegueira dos personagens não é caracterizada pela ausência de luz, porém, pela presença de uma claridade igualmente vazia de cores e formas); contudo, o modo como a brancura da tela é conduzida, produz um real incômodo na visão do espectador. Ou seja, o golpe abrupto da passagem de uma cena convencional para a tela branca desperta a empatia do espectador que passa a sentir a angústia dos personagens.
Esta sensação é aumentada pelo recurso do pontilismo que aparece em boa parte das cenas (ou em quase todas).
Tudo isso é empregado na medida certa, sem exageros que desviem o espectador do drama que se desenrola no filme.
Em segundo lugar, as cenas mais violentas (aquelas que deixam o espectador envergonhado da sua eterna condição de semi-selvagem) são estrategicamente intercaladas com algumas pinceladas de humor que aliviam bastante a tensão dos músculos.
O maior alívio, no entanto, surge em uma das cenas mais pesadas e ao mesmo tempo mais necessárias do filme. É justamente o momento cartático, quando o espectador expurga boa parte do ódio que vinha acumulando. A única falha, neste aspecto, é que a cena seria menos previsível se o instrumento da violência não tivesse sido mostrado antes.
Apesar deste equívoco, o filme é muito bem conduzido e consegue demonstrar a que ponto chegaríamos se fôssemos seqüestrados pelos instintos, se eles passassem ainda mais a comandar nossas vidas. Aqui, ainda cabe a posição quadrúpede do texto anterior, mas dessa vez estaremos mais cabisbaixos...