quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Vicky Cristina Barcelona



Vicky Cristina Barcelona (EUA/Espanha, 2008) destoa um pouco de boa parte das produções do diretor Woody Allen. Embora os dramas psicológicos ainda sejam o foco principal da narrativa de Allen, neste filme, o cinza concreto de cidades como Nova Iorque e Londres cede lugar às cores de Barcelona. Aliás, esta cidade é um dos personagens principais da trama. É o dourado luminoso de Barcelona, suas obras de arte e sua culinária que constituem o ambiente estético que estimula o hedonismo dos personagens. A pudica Vicky (Rebecca Hall) descobre o tédio de viver ao lado de um americano puritano (Doug – Chris Messina) quando conhece e se envolve com o “supra-hedonista” Juan Antonio (Javier Bardem). A moderninha Cristina (Scarlett Johansson), por sua vez, também se relaciona com Juan Antonio e com sua ex-esposa neurótica Maria Elena (Penélope Cruz). Cristina, no entanto, descobre que a vida fora dos padrões convencionais talvez não seja o modelo ideal para ela. Em outras palavras, o tédio, irremediavelmente, perpassa todos os relacionamentos, sejam os de modelo monogâmico ou os de formato ménage à trois.
O tédio e a busca pelo sentido da vida são as principais discussões do filme-prosa de Allen. Todos os personagens se deparam com estes dois elementos. Juan Antonio e Maria Elena, entretanto, são os que parecem resolver melhor esses conflitos. O veneno antimonotonia eles encontram nas idas e vindas do relacionamento – ou como falou algumas vezes Juan Antonio, citando Maria Elena, na busca do amor romântico que se nutre da distância – e o sentido da vida eles encontram nas artes e, principalmente, no vitalismo.
Toda esta narrativa dramática é enriquecida pelas atuações magníficas dos atores, em especial, de Penélope Cruz que garante deliciosas risadas durante o filme, boa parte delas, aliás, como disse um amigo, pinceladas de um sutil constrangimento.

sábado, 25 de outubro de 2008

Multiculturalismo


“Somos todos juntos uma miscigenação e não podemos fugir da nossa etnia. Índios, brancos, negros e mestiços, nada de errado em seus princípios”. Este trecho da canção de Chico Science & Nação Zumbi alerta para algo que os livros de história já apontavam há bastante tempo, o fato de que vivemos em sociedades multiculturais e que qualquer tentativa de definição de fronteiras rígidas entre uma cultura e outra não passa de um exercício inútil de tentar separar todos os ingredientes de um bolo depois que ele já está pronto.
Apesar desta lição deveras simples, algumas pessoas ainda insistem em classificar o multiculturalismo como um subterfúgio para esconder a incapacidade dos indivíduos em estabelecer quais valores devem ser seguidos na contemporaneidade. Esta, aliás, é a direção seguida pelo sociólogo polonês Zigmunt Bauman. Embora ele se apegue à metáfora do líquido como o remédio para resolver todos os problemas de compreensão da sociedade atual, quando o assunto é o multiculturalismo, Bauman muda o estado físico do conceito e o transforma em pedra de gelo rígida.
Sendo assim, para este autor, o multiculturalismo é um instrumento usado pelos intelectuais para maquiar as suas incompetências com relação ao entendimento das sociedades pós-modernas. Em outras palavras, quando eu denomino uma sociedade de multicultural, estou demonstrando a minha incapacidade para apontar o que é certo e o que é errado.
É claro que o conceito de multiculturalismo ainda é muito confuso. Na verdade, isso ocorre porque é difícil definir um fenômeno que é muito polissêmico, plural. No entanto, o ato de negligenciar a existência de culturas distintas que convivem – nem sempre harmoniosamente – num mesmo espaço social, é como tapar olhos, bocas e ouvidos na babel bíblica e achar que todos são hebreus.
Basta ampliarmos o olhar sobre qualquer sociedade, mesmo as que se dizem mais unificadas culturalmente, que iremos perceber que o multiculturalismo está cravado no seu relevo.
Por isso, querer menosprezar este conceito, criando significados obscuros para ele, mais parece uma atitude de quem não suporta o diferente e adoraria viver numa sociedade monovalente. “É que narciso acha feio o que não é espelho”.

sábado, 4 de outubro de 2008

Ensaio sobre a cegueira



“Ensaio sobre a cegueira”, do diretor Fernando Meirelles, não é nenhuma obra-prima, mas é um filme que supera muito bem alguns dos problemas comuns ao cinema.
Em primeiro lugar, ele não se rende aos clichês relacionados à cegueira. É claro que a utilização da tela branca para representá-la é algo já indicado no romance de José Saramago (lá, a cegueira dos personagens não é caracterizada pela ausência de luz, porém, pela presença de uma claridade igualmente vazia de cores e formas); contudo, o modo como a brancura da tela é conduzida, produz um real incômodo na visão do espectador. Ou seja, o golpe abrupto da passagem de uma cena convencional para a tela branca desperta a empatia do espectador que passa a sentir a angústia dos personagens.
Esta sensação é aumentada pelo recurso do pontilismo que aparece em boa parte das cenas (ou em quase todas).
Tudo isso é empregado na medida certa, sem exageros que desviem o espectador do drama que se desenrola no filme.
Em segundo lugar, as cenas mais violentas (aquelas que deixam o espectador envergonhado da sua eterna condição de semi-selvagem) são estrategicamente intercaladas com algumas pinceladas de humor que aliviam bastante a tensão dos músculos.
O maior alívio, no entanto, surge em uma das cenas mais pesadas e ao mesmo tempo mais necessárias do filme. É justamente o momento cartático, quando o espectador expurga boa parte do ódio que vinha acumulando. A única falha, neste aspecto, é que a cena seria menos previsível se o instrumento da violência não tivesse sido mostrado antes.
Apesar deste equívoco, o filme é muito bem conduzido e consegue demonstrar a que ponto chegaríamos se fôssemos seqüestrados pelos instintos, se eles passassem ainda mais a comandar nossas vidas. Aqui, ainda cabe a posição quadrúpede do texto anterior, mas dessa vez estaremos mais cabisbaixos...

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Sobre curtir a vida




Sempre achei que curtir a vida fosse viajar, ter fruição estética, experiências amorosas, sexuais, etc. Mas nunca pensei que isso necessariamente tivesse que incluir o dado quantitativo.
“Quanto mais melhor” sempre me pareceu uma máxima para pessoas que “remoem pequenos problemas”, como cantou Cazuza; pois quantidade cai muito bem com pequenez de princípios.
O fato é que ultimamente tenho notado que isso vem se expandindo de maneira absurda entre a juventude.
Os carnavais fora de época até saíram de moda. Porém, o espírito do mais beijos e mais trepadas é igual a mais status ficou, para o bem daqueles que cultivam cotidianamente a sua mediocridade.
Vá lá que as oportunidades devem ser aproveitadas: se duas pessoas interessantes te aparecem numa noite (qual mandinga você fez pra merecer tanto?), que mal há em experienciar isso? Mas, se você precisa da quantidade, se acha que passar anos com uma mesma pessoa é perda de tempo, de testosterona (serve pras mulheres também) e de orgasmos; então, querido amigo, (me refiro aos dois sexos: perdoem-me as feministas) o seu ângulo de visão não sai do espaço que marca o início e o fim do seu falo (aqui também cabe o correspondente feminino).
Ouvi alguém aí falar em instinto? Claro, o instinto também conta (e nesse capítulo os homens largam na frente). Somos movidos a instinto a todo momento, quando atravessamos a rua olhando pra todos os lados, quando trabalhamos pra ganhar dinheiro, quando usamos camisinha (ou anticoncepcional). Tudo isso é puro instinto (sinto até o cheiro dos hormônios).
É evidente que o instinto existe e que não devemos deixar de satisfazer as necessidades provenientes dele. Contudo, achar que essa máxima de curtir a vida passa por instintos que levam à busca pela quantidade nas experiências, no sexo etc. não passa de desculpa para Amélia dormir.
Mas, se ainda assim você acreditar no conto dos instintos, comece a dar verossimilhança a sua narrativa; o primeiro passo é levar os dois membros superiores (aqueles dois de cima, com os quais você digita as mensagens, escreve, etc.) em direção ao chão e apoiá-los bem. Pronto, agora aprenda a latir, grunhir, ganir...