A presença dos elementos gregos, porém, não cessa por aí. Esse desfecho também revela uma métis(1), uma astúcia da inteligência do personagem Nonato. A métis é, para Détienne e Vernant, “um conjunto complexo, mas muito coerente, de atitudes mentais, de comportamentos intelectuais que combinam o faro, a sagacidade, a previsão, a sutileza de espírito e o fingimento”.
A métis só se desenvolve quando há uma circunstância de desigualdade. Um exemplo muito contundente disso encontra-se na Ilíada, quando Antíloco, tendo consciência de que seus cavalos são bem menos potentes que o de seu adversário, astuciosamente joga o carro contra ele, que perde o controle e a dianteira na corrida.
Neste rumo, “a métis é uma potência de astúcia e de engano. Ela age por disfarce. Para ludibriar sua vítima, ela toma emprestada uma forma que mascara, em lugar de revelar, seu verdadeiro eu”.
Aqui a semelhança com o personagem Nonato é imensa. Notem que ele durante a maior parte da história é apresentado como submisso. Ele toma a forma de uma criatura ingênua e frágil, o que descarta qualquer desconfiança, ou seja, “ele dissimula sua realidade assassina sob aparências seguras”.
A grande reviravolta do filme reside no fato de o próprio personagem ser uma “potência de revirada”. Ele age como as rãs que se fingem de mortas para fisgarem suas presas. Mas Nonato é ainda mais requintado, porque seu tempero leva ao gozo e à morte numa só dose.
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(1) Métis, primeira esposa de Zeus, era a deusa grega da prudência. Métis foi engolida por Zeus que temeu que a profecia de Gaia (de que seu filho iria destroná-lo) se concretizasse.