Hoje basta um
clique suave para fazer uma informação ganhar velocidade. Mas havia uma época
em que era preciso fazer barulho, muito barulho, para alcançar velocidade. Por
isso, Jack Kerouac precisou fazer disparar as teclas da sua máquina de escrever,
como se fossem os motores dos carros dos ruidosos anos 50, para dar corpo a On the Road (Pé na estrada, L&PM,
2004). Foi assim que ele transformou o álcool,
as drogas, o jeans e o jazz nos ingredientes do caldo da contracultura
americana; e deu aos beatniks um romance sob medida.
A
linguagem concisa, certeira e a narrativa com estilo próximo ao
cinematográfico, deixaram gerações de rebeldes com uma, muitas ou nenhuma
causa, esperando que On the Road ganhasse vida, som e imagem de cinema. Faltava
alguém disposto a aceitar o desafio! E foi Walter Salles quem topou a parada de
narrar a história de Sal Paradise (Sam Riley), um aspirante a escritor de Nova
Iorque que, após a morte do pai, conhece o ex-presidiário Dean Moriarty (Garret
Hedlund) e resolve colocar o pé na estrada junto com ele.
O
filme de Salles foi exibido ontem na 65° edição do Festival de Cannes e tem
dividido a opinião dos críticos. Alguns, como Rodrigo Fonseca (jornal O Globo),
consideram que a adaptação do romance de Kerouac revela a fase mais madura do
diretor brasileiro pela composição dos planos e o trabalho junto aos atores
jovens para garantir a dose de rebeldia que a obra exige. Para ele, Salles
conseguiu fazer um filme carregado de suor, adrenalina e, sobretudo, tesão.
Marcelo
Miranda (jornal O tempo), por sua vez, considerou que o longa colocou as coisas
demais no lugar. As imagens são belas, os planos estão bem posicionados, mas,
segundo ele, Salles exagerou na assepsia, tirando a carga de sexualidade e subversão
necessária à obra. “O desenvolvimento da caminhada dos personagens, mesmo com
algumas ousadias e subversões do status
quo social (uso de
drogas, prática de sexo grupal, abandono familiar), não transmite o ardor
dessas situações.”
O
único aspecto do filme que tem alcançado certa unanimidade é a atuação
surpreendente de Kristen Stewart, a mocinha insípida da série Crepúsculo, que
esbanjou sensualidade, suor e cabelos desarrumados para virar a musa da
rebeldia. E é bom que seja assim, porque unanimidade demais quando se trata de
uma adaptação de Kerouac é muita monotonia pro veneno beatnik.
(Parte do texto foi publicado no Correio da Paraíba, na edição de 24 de maio de 2012)